Conheça o conceito de arbejdsglæde (felicidade no trabalho) e descubra quais são os fatores que contribuem para que os profissionais se sintam mais felizes, engajados e, consequentemente, produtivos
Por Rachel Goldgrob*
A mais longa pesquisa sobre felicidade começou a ser conduzida em 1938, por pesquisadores da área de Estudo de Desenvolvimento de Adultos da Universidade Harvard.
Desde então, ao serem indagados sobre qual é o seu principal arrependimento na vida, milhares de participantes responderam: “Eu gostaria de ter passado menos tempo trabalhando, menos tempo no escritório”.
Sabendo que, ao final de suas vidas, grande parte das pessoas se arrepende de ter trabalhado tanto, é fácil concluir que trabalho não é uma fonte de felicidade, concorda?
Mas e se eu dissesse que existem pessoas que conseguem, sim, obter felicidade por meio do trabalho, e que até existe uma expressão específica para comunicar esse sentimento?
Estou falando dos dinamarqueses e, mais especificamente, do conceito de arbejdsglæde.
O que é arbejdsglæde?
Em tradução literal, arbejdsglæde significa felicidade no trabalho.
Essa expressão, que existe apenas nas línguas escandinavas, refere-se à satisfação e ao prazer obtidos por meio do trabalho e das realizações relacionadas à carreira.
Para se ter uma ideia, no relatório Estado Global do Ambiente de Trabalho, os dinamarqueses ocupam o segundo lugar na lista dos profissionais mais satisfeitos com sua vida profissional e, além disso, são os que menos sofrem estresse diário no ambiente de trabalho.
O segredo dinamarquês parece estar no equilíbrio entre vida profissional e pessoal. A flexibilidade e a liberdade para se dedicar ao lazer e a atividades pessoais são fatores que contribuem para que os profissionais tenham mais felicidade no trabalho na Dinamarca.
Segundo o estudo Better Life Index, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):
Apenas 1% dos profissionais dinamarqueses trabalham longas horas. A média da OCDE é de 10% – no Brasil, 6% dos profissionais trabalham longas horas.
Na Dinamarca, os trabalhadores em tempo integral dedicam, em média, 66% do dia, a cuidados pessoais e lazer, também acima da média de outros países da OCDE, que é de 63%.
Para entender melhor como os dinamarqueses experimentam arbejdsglæde no dia a dia, eu conversei com alguns profissionais locais em minha recente visita ao país.
O que eles revelam confirma: níveis elevados de confiança e flexibilidade e a ênfase em uma vida equilibrada contribuem para a felicidade no trabalho.
Uma análise sobre felicidade no trabalho e produtividade
Você já imaginou dizer ao seu chefe que não vai participar de uma reunião porque tem uma partida de futebol marcada para o mesmo horário? Ou, então, que vai precisar sair mais cedo para ajudar seu filho a fazer as lições da escola? Você acha que poderia trabalhar de casa se dissesse que não encontrou uma babá para ficar com seu cachorro?
Todas essas são situações aceitáveis no ambiente de trabalho na Dinamarca.
Então, quer dizer que os dinamarqueses são felizes no trabalho porque “pegam leve”?
Em parte, sim. Mas, na verdade, o segredo está mesmo no equilíbrio.
Inclusive, o fato de os dinamarqueses não 'viverem para trabalhar' não significa que eles não são produtivos. Pelo contrário. Apesar de a Dinamarca estar entre os países com o menor número de horas trabalhadas por semana, é o terceiro país no ranking de produtividade global (que contabiliza o PIB gerado por horas trabalhadas).
Além disso, há diversas pesquisas que comprovam que a satisfação dos profissionais se reflete nos resultados.
Em uma análise feita pela Oxford University, os profissionais mais felizes tiveram um desempenho 13% melhor em vendas – o que sugere uma ligação direta entre felicidade e produtividade.
E ainda, estudos da Gallup indicam que o maior engajamento dos profissionais gera benefícios como:
Aumento de 10% na retenção de clientes
Aumento de 14% na produtividade do time
Crescimento de 18% nas vendas
23% mais lucro
Por fim, não dá para falar sobre felicidade no trabalho, produtividade e bem-estar sem destacar os resultados de uma pesquisa feita pela Autonomy a partir do projeto-piloto realizado entre junho e dezembro de 2022 no Reino Unido para testar a viabilidade da semana de trabalho de quatro dias.
Dentre as 61 empresas britânicas que toparam o desafio, 56 (92%) ficaram tão satisfeitas com os resultados que decidiram manter esse formato. Dessas, 18 afirmam que a mudança é definitiva.
No que diz respeito ao impacto da mudança na vida dos profissionais envolvidos:
73% disseram que se sentem mais felizes;
40% reportaram menos problemas para dormir;
62% revelaram que ficou mais fácil conciliar o trabalho e a vida social;
O índice de burnout caiu 71%;
O número de faltas por motivos de saúde diminuiu 64%;
O índice de demissões caiu 57% no período;
Para 15%, não há dinheiro que compense voltar a trabalhar cinco dias por semana. É importante destacar que não houve redução no salário dos profissionais ao longo do período de teste.
Não dá para ignorar a relevância desses dados.
Fatores que contribuem para uma vida profissional mais feliz
Voltando à Dinamarca, está claro que a liberdade e a flexibilidade experimentada nas empresas dinamarquesas contribuem para que os profissionais tenham uma vida mais equilibrada e, assim, consigam encontrar mais satisfação e felicidade no trabalho. Mas não é ‘só’ isso…
Existem outros fatores culturais e sociais que ajudam a explicar tamanha felicidade no trabalho – e, consequentemente, na vida. Lembra que eu falei em um outro artigo que, segundo World Happiness Report, a Dinamarca é atualmente o segundo país mais feliz do mundo? Então…
Confiança, segurança, prosperidade, liberdade e transparência são aspectos importantes da cultura dinamarquesa e, em níveis elevados, promovem mais bem-estar e felicidade aos cidadãos. Tudo isso, claro, se reflete na cultura das organizações.
Indo além, fatores relacionados a políticas de segurança social também são cruciais nessa história.
Por exemplo: um profissional demitido pode receber seguro-desemprego de até 90% do seu salário por um período de até dois anos. Isso, definitivamente, ajuda a enxergar o trabalho como muito mais do que um meio para subsistência.
Também é importante citar outra questão cultural relevante que gera mais arbejdsglæde: a Dinamarca é um dos países com os maiores níveis de coesão social do mundo, por conta do forte engajamento das pessoas com a sociedade e com a família.
Segundo Better Life Index, 95% dos dinamarqueses afirmam que conhecem alguém com quem podem contar em tempos difíceis – e isso, novamente, se reflete no ambiente de trabalho.
Nesse sentido, há diversas evidências de que bons relacionamentos são fundamentais para a felicidade e o bem-estar das pessoas.
Roberto Valdinger, diretor da área de Estudo de Desenvolvimento de Adultos de Harvard e autor do livro The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness, explica essa relação.
“Uma descoberta que nos surpreendeu foi que é possível prever de forma muito eficaz quem será mais feliz e viverá mais com base na qualidade dos relacionamentos que as pessoas têm. Bons relacionamentos se refletem tanto nos níveis de felicidade quanto no bem-estar físico das pessoas”, indica.
Ele frisa que essa é uma questão que impacta também na felicidade no trabalho. “Descobrimos que as pessoas que estão mais engajadas em seu trabalho e sentem que seu trabalho é mais gratificante são aquelas que têm pelo menos um amigo no trabalho, pelo menos uma pessoa com quem podem conversar sobre assuntos pessoais”, revela.
Dados da Gallup também apontam que ter um amigo no trabalho se reflete em sete vezes mais engajamento e na redução de até 36% de acidentes.
Em resumo: gestores preocupados em aumentar a arbejdsglæde precisam promover um ambiente de trabalho com confiança, liberdade e flexibilidade, em que as pessoas têm uma vida mais equilibrada e se sentem confortáveis para serem elas mesmas, criando conexões genuínas com seus colegas de trabalho.
Ou seja, é fundamental oferecer ambientes psicologicamente seguros!
Quer entender o que isso significa? Leia nossos artigos sobre segurança psicológica. Estão todos aqui.
*Rachel Goldgrob, cofundadora da GoHuman, é psicóloga com certificação internacional em Coaching de Liderança pela Georgetown University e em Estratégia de Impacto Social pela University of Pennsylvania.