Alessandra Cavalcante, cofundadora da GoHuman, compartilha insights e reflexões do painel “Cultura Organizacional”, do Hu Summit 2023
Por Alessandra Cavalcante*
Por muito tempo, o lucro e o retorno ao acionista foram os principais – e muitas vezes únicos – objetivos de muitas organizações.
Nesse contexto, aspectos comportamentais, emocionais, essencialmente humanos, costumavam ficar de fora das conversas C-level, conselhos de administração e altas lideranças. Afinal, se números, estratégias e processos são os pilares dos resultados almejados, por que falar de gente?
Bem, talvez porque, como disse Peter Drucker – e lembrou Vicente Gomes, sócio da Corall, na abertura do painel Cultura Organizacional do Hu Summit 2023 –, “a cultura come a estratégia no café da manhã”. E na base de qualquer cultura estão as pessoas que vão moldá-la e levá-la adiante.
Mas, espera aí, de que tipo de cultura organizacional estamos falando?
Em um cenário de emergência climática, pandemia silenciosa de transtornos mentais e avanço dos debates sobre o papel do setor privado em pautas socioambientais, a discussão sobre a humanização da cultura organizacional começou a ganhar destaque, refletindo a busca por ambientes de trabalho mais saudáveis, psicologicamente seguros, colaborativos e conscientes.
É verdade que ainda há quem pense na cultura humanizada como algo distante, talvez até utópico. No entanto, na GoHuman, nós não apenas acreditamos que essa transformação é possível, como ajudamos a colocá-la em prática.
Durante o Hu Summit 2023, evento organizado pela Humanizadas com o objetivo de pensar e desenhar caminhos para a construção de uma nova economia, tive a oportunidade de conversar sobre o assunto com Mírian Coden (cofundadora da Nortus) e Adriana Schneider (CEO da Human.are), em um painel mediado por Vicente Gomes.
A seguir, compartilho insights e reflexões que emergiram dessa conversa.
Evolução da cultura organizacional: desafios e oportunidades
Vicente abriu o painel com uma pergunta sobre os desafios que as empresas enfrentam ao tentar implementar uma cultura organizacional mais humana.
Foi interessante notar como as três visões apresentadas se conectam e permitem um diagnóstico amplo e que já indica alguns caminhos possíveis para o desenvolvimento de culturas mais humanas.
Primeira a responder, Mirian fez uma crítica ao pensamento mecanicista, em que as organizações são vistas como máquinas, e seus funcionários, como engrenagens. Para ela, essa visão reducionista, que não considera a integralidade do ser humano, dificulta a evolução cultural.
“A cultura permeia tudo dentro da organização – parte econômica, financeira, humana. O que impede hoje um processo de evolução cultural de uma forma mais saudável é a nossa educação, como a gente ainda utiliza o que aprendemos nos últimos 300 anos para tratar alguns aspectos dentro da organização que precisam de uma visão mais complexa”, analisa.
Na sequência, Adriana organizou sua resposta em três dimensões: individual, empresarial e profissional. Para ela, autoconhecimento, coerência e compreensão de que esse é um jogo de longo prazo são os grandes desafios em cada uma dessas dimensões, respectivamente.
Essas duas reflexões iniciais me provocaram a trazer para a conversa uma certa angústia que é comum em processos de transformação.
Quando a gente fala de cultura organizacional, a gente fala de olhares múltiplos, de diversidade e de aceitar tudo isso. É algo que passa por pensar: ‘como eu, líder, me conheço, consigo perceber em mim essa dificuldade e aceitar essa dificuldade, para conseguir fazer as grandes viradas, engajar o time e trazer a organização para o caminho da transformação?’.
De fato são questões angustiantes e que exigem uma visão mais ampla e complexa do que é cultura organizacional.
Fechamos esse primeiro bloco da conversa dando um passo claro rumo às respostas que buscávamos. Vicente disse:
“A empresa é um organismo vivo. Quando a gente fala da complexidade organizacional, falamos de tudo: colaboradores, processo, cultura etc. E em cada empresa tudo isso é único. Portanto, não existe uma receita pronta que sirva para todas as organizações, cada uma tem o seu processo e a sua própria evolução”.
Coragem, um ingrediente fundamental para a mudança cultural
Depois de falar sobre o que não existe em processo de evolução cultural, mergulhamos em algo comum a diversas trajetórias de transformação: a necessidade de desconstruir tradições arraigadas que impedem a abertura para uma visão mais humanizada.
A Adriana trouxe uma experiência que ilustra bem essa questão…
Ela relatou que, certa vez, sócios de uma das maiores consultorias do mundo contavam com naturalidade que depois de terem sido explorados e humilhados por seus antigos líderes, passaram a reproduzir tais comportamentos predatórios com seus funcionários. Afinal, se eles passaram por tudo aquilo, os novatos também deviam passar.
Esse, infelizmente, é um pensamento comum. Além disso, é um reflexo do que a cultura organizacional costuma ser: um emaranhado de coisas que as pessoas fazem sem ao menos entender por quê. São hábitos, atitudes e comportamentos que se perpetuam dentro de uma organização e não são questionados.
Nesse processo, é quase de se esperar que em um ambiente tóxico, onde o medo prevalece e as microagressões são permitidas, onde se normaliza assédio, humilhação e falta de respeito, essa roda siga girando. Afinal, muitas pessoas reproduzem esses comportamentos até por buscarem aceitação.
A verdade é que romper com esses padrões exige coragem e uma abordagem consciente para criar um ambiente psicologicamente seguro. Eu disse no painel, e repito palavra por palavra aqui:
“A construção de ambientes de segurança psicológica depende muito do empenho do líder, que tem o papel de repactuar, reformular e fazer uma virada para uma cultura mais humana. É um processo que exige muita coragem! Coragem de se despir das suas crenças e vulnerabilidades, da arrogância e do lugar de pleno saber. Dessa forma, é possível moldar essa nova cultura”.
À minha reflexão, Adriana acrescentou:
“É preciso coragem de fazer diferente do que a gente fez até hoje. E [é preciso] essa coragem de entender que a gente não sabe onde vai dar, mas se a gente tiver uma intencionalidade correta, concreta, positiva, a gente vai aprender com o erro também. Então, vamos tentar fazer diferente, mesmo sem saber onde vai dar. Isso vai nos tirar de onde a gente está agora”.
Leia também: Guia sobre Segurança psicológica nas empresas
O papel das lideranças para a construção de uma cultura organizacional humanizada
Caminhando para o fim da nossa conversa, engajamos em uma boa troca sobre a importância de todos os níveis de liderança se comprometerem com a transformação cultural.
Falando especificamente sobre o papel da média liderança, Adriana pontuou: “É preciso ter espaços de conversas, de diálogos entre os líderes desse nível e ter rituais para que eles possam influenciar e trazer para o topo da pirâmide o que está acontecendo ali embaixo”.
Ela também destacou que é fundamental oferecer estratégias e ferramentas no âmbito psicoemocional para que essa liderança não seja apenas porta-voz das mudanças. “É preciso olhar para além dos direcionamentos estratégicos da empresa. Tem que cuidar das pessoas!”, ponderou.
A partir desse comentário, destaquei que percebo que algumas organizações delegam a transformação para o middle, em uma relação quase perversa, baseada na seguinte visão: “Eu estou na alta liderança, muito ocupado para lidar com essas questões, então vou passar pro middle, que vai tocar esse barco”.
Em vez de contribuir para a evolução da cultura organizacional, essa atitude traz toxicidade para as relações.
Minha sugestão é que a preocupação com a humanização da cultura entre na agenda da organização e que passe a permear os debates do dia a dia, guiada por perguntas como:
O que podemos fazer hoje para que a nossa cultura seja mais humana?
Como a gente ajuda a conectar as pessoas com propósito para tornar isso um vetor de mudança?
Como a gente consegue criar espaços de mais verdade, mais autenticidade, mais vulnerabilidade, em que a gente realmente consiga perceber que tudo está mudando, o futuro está aí, e ele é humano?
O futuro das organizações depende de como abordamos a complexidade, como promovemos o diálogo e como abraçamos a humanização como um princípio central. O poder para impulsionar mudanças reais está ao alcance de cada um de nós e começa com um passo corajoso em direção à transformação da cultura organizacional. Que tal dar o primeiro passo hoje?
A GoHuman promove discussões como esta em times executivos e conselhos. Gostaria de conhecer o nosso trabalho? Entre em contato e saiba como podemos ajudar.
*Este é apenas um resumo do painel Cultura Organizacional do Hu Summit 2023. Quer saber mais? Assista ao debate na íntegra no YouTube da Humanizadas.
*Alessandra Cavalcante, cofundadora da GoHuman, é psicóloga, MBA pela COPPEAD e pós-graduada em Gestão de Recursos Humanos pela FGV, Coach certificada pelo CTI-London em Executive Coaching (Accredited Coach Training Program - ACTP) pela International Coach Federation (ICF) e pela HEC-Paris em Coaching Organizacional. Mentora da Top2You.
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