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Além do rótulo: a dependência química no contexto profissional

Entenda o que é a dependência química e conheça os estigmas que impactam a vida dos profissionais que sofrem com esse transtorno mental

 

Preguiça, falta de força de vontade, desvio de caráter, fraqueza… O que tudo isso tem a ver com dependência química?

 

A resposta é simples: nada!

 

A dependência química é uma doença psiquiátrica. Porém, muita gente ainda acredita que esse transtorno se associa a uma questão de caráter pessoal.

 

No ambiente de trabalho, esse tipo de preconceito gera hostilidade e dificulta o desenvolvimento e a recuperação de profissionais que são dependentes químicos. Além disso, os estigmas em torno dessa condição podem contribuir para o agravamento dos sintomas.

 

Mas o que é dependência química?


o que é dependência química?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a dependência química como um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido de determinada substância. 


A dependência pode dizer respeito a uma substância psicoativa específica (como tabaco, álcool ou cocaína), a uma categoria de substâncias psicoativas (substâncias opiáceas, por exemplo) ou a um conjunto mais vasto de substâncias diferentes.

 

Essa condição frequentemente envolve uma combinação de múltiplos fatores de risco, incluindo aspectos biológicos, comportamentais e biopsicossociais, indicando que tanto a genética quanto o ambiente externo podem influenciar seu desenvolvimento.

“A dependência química em um quadro mais avançado faz com que a pessoa se mantenha consumindo aquela substância mesmo diante de diversos prejuízos no trabalho e na vida familiar, às vezes até em situações de danos à saúde física e risco de vida”, explica Pablo Brandão de Souza, psiquiatra especialista nessa área.

O psiquiatra aponta ainda que, muitas vezes, o quadro de dependência química está associado a alguma outra comorbidade psiquiátrica. “É muito comum acontecer de o paciente estar fazendo abuso de cocaína, por exemplo, e também ter um transtorno bipolar que nunca foi diagnosticado”, revela.

A dependência química em números

 

  • Em 2021, mais de 296 milhões de pessoas em todo o mundo consumiram drogas, um aumento de 23% em relação à década anterior.

  • Neste mesmo ano, o número de pessoas que sofrem de transtornos associados ao uso de drogas subiu para 39,5 milhões, um aumento de 45% em 10 anos.

  • No Brasil, em 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 400 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool – um aumento de 12,4% em relação a 2020.

  • 6 milhões de brasileiros têm um padrão que indica consumo perigoso de bebidas alcoólicas, com risco de dependência.

O que causa dependência química?


O que causa dependência química?

 Como detalha o primeiro artigo da nossa série sobre transtornos mentais, o surgimento dessas doenças psiquiátricas tem origem em diferentes fatores internos e externos.


Com a dependência química não é diferente. O vício em substâncias químicas surge por conta de uma combinação complexa de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais, sem um único caminho ou fator predominante.

 

Alguns estudos sugerem que o risco de uma pessoa se tornar viciada é parcialmente genético, mas fatores ambientais – como estar perto de outras pessoas com vícios, por exemplo – também são considerados como potencializadores de risco.


Além disso, mais do que a exposição a substâncias psicoativas, o fator que parece ser mais determinante para a dependência, além de uma eventual comorbidade psiquiátrica subjacente, é o contexto de vida do indivíduo, suas relações emocionais e sociais.

  

Dependência química e o ambiente de trabalho

 

Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou uma atualização da lista de doenças relacionadas ao trabalho, incluindo patologias psiquiátricas – entre elas, a dependência química.

 

O abuso de álcool já fazia parte dessa lista há alguns anos, contudo, a recente atualização inclui comportamentos como uso de sedativos, canabinoides, cocaína e abuso de cafeína como transtornos que podem ser consequência de jornadas exaustivas, assédio moral no trabalho, além de dificuldades relacionadas à organização empresarial.

  

A principal conexão nesse sentido diz respeito aos estressores relacionados ao trabalho que podem levar ao uso indevido de substâncias. Algumas pesquisas confirmam a hipótese de que o abuso de álcool e drogas é induzido por estresse, que pode vir da sobrecarga de trabalho ou da insegurança no emprego.

Ou seja, o estresse relacionado ao trabalho, incluindo longas horas e condições difíceis, pode aumentar o risco de abuso de substâncias.

Em muitos casos, um eventual uso de substâncias químicas passa a ser abusivo como uma forma de dar conta da pressão e do estresse gerados pelo ambiente corporativo. Indo além, a própria cultura corporativa pode incentivar esse abuso. Ambientes de trabalho que apoiam ou normalizam o consumo de álcool, por exemplo, aumentam o risco de abuso de substâncias.

 

Também nesse sentido, muitas práticas das empresas acabam, de certa forma, incentivando e permitindo que o funcionário continue abusando de drogas – contanto que continue a ser produtivo.

Sinais a observar

  

Impacto no trabalho: O abuso de substâncias químicas normalmente resulta em uma queda no desempenho profissional. A eficiência do funcionário cai, e tanto a qualidade quanto a quantidade do trabalho entregue diminuem. Podem ocorrer atrasos na entrega de tarefas, pausas frequentes e prolongadas, sonolência durante o expediente, além de uma falta de interesse e motivação.

 

Alterações na aparência: 

Pode haver uma mudança súbita no peso do funcionário, seja ganho ou perda. Aqueles que abusam de substâncias muitas vezes parecem descuidados e podem apresentar problemas com a higiene pessoal.

 

Mudanças na fala: 

O uso de substâncias químicas pode causar fala arrastada e confusa. Funcionários sob efeito de entorpecentes podem ter dificuldade para se concentrar em conversas e lembrar o que estavam dizendo. Também é comum observar um excesso de fala ou longas pausas inexplicáveis.

 

Alterações de personalidade: 

Mudanças bruscas, sem explicação e imprevisíveis na personalidade podem indicar um problema de abuso de substâncias químicas. Isso pode incluir paranoia, variações de humor, comportamento hostil e outras alterações de personalidade.


Atenção! Não se deve fechar um diagnóstico de dependência química baseando-se apenas nesses sinais, pois, em muitos casos, eles são resultado de outras situações. Contudo, conhecê-los pode ajudar a identificar um problema com abuso de substâncias.

 

Informações: HR Magazine

 Estigmas relacionados à dependência química no ambiente de trabalho


 Estigmas relacionados à dependência química no ambiente de trabalho

Assim como pessoas com outros tipos de doenças psiquiátricas – tal como o transtorno bipolar –, profissionais que enfrentam dependência química também sofrem preconceito no ambiente de trabalho.

  

Apesar de essa condição, poder impactar diretamente a performance e a produtividade do funcionário quando não tratada, uma das questões que mais afetam sua vida profissional é o estigma em torno dessa doença.


Pablo comenta que um dos mitos mais comuns nesse sentido é o de que pessoas com dependência química simplesmente carecem de força de vontade ou disciplina para superar suas condições. O especialista enfatiza que tais condições são doenças que requerem tratamento médico e apoio, não uma questão de escolha ou força de vontade.

“É importante frisar isso porque às vezes as pessoas encaram a dependência química como uma questão de caráter. E isso é muito ruim para os pacientes, pois cria uma barreira que os impede de buscar ajuda e tratamento. Afinal, a partir do momento que seu problema é considerado algo como ‘falta de caráter’, a pessoa tem vergonha de procurar ajuda”, frisa.

Ainda nesse sentido, o psiquiatra aponta que outro preconceito comum sofrido por dependentes químicos é o de que eles são incapazes de trabalhar. Ele reforça que, com o apoio e as adaptações adequadas, esses indivíduos podem ser tão produtivos quanto quaisquer outros colaboradores.

“Diversas pessoas exigem cuidados diferentes em certas situações relacionadas ao trabalho, sem necessariamente prejudicar suas performances profissionais. O mesmo ocorre com funcionários que são dependentes químicos. Essa não é uma doença que necessariamente tira a capacidade laborativa da pessoa. Aliás, uma rotina estabelecida de trabalho ajuda muito no tratamento”, explica Pablo.

A barreira da falta de confiança

 

São justamente esses estigmas que geram conflitos e dificuldades nos relacionamentos de trabalho para as pessoas com transtornos mentais.

 

Em uma análise feita com dependentes químicos, os entrevistados apontaram que mais do que a situação de dependência química em si, os maiores impasses que eles encontram são a falta de aceitação das empresas e o descrédito da sociedade.

 

Esse, aliás, é um padrão comum encontrado por profissionais que sofrem transtornos mentais...

 

Para se ter uma ideia de como as empresas muitas vezes lidam com esses funcionários de forma injusta, um levantamento feito no Reino Unido apontou que:

 

  • Um terço dos empregadores tende a desconfiar das informações em atestados médicos de funcionários com problemas de saúde mental.

  • Em comparação com aqueles com transtornos físicos, funcionários que retornam de licença médica por motivos psiquiátricos enfrentam um interrogatório mais intenso, ameaça de rebaixamento ou supervisão mais rigorosa – em alguns casos, até maior risco de demissão.

 

Esse é o tipo de contexto que faz com que as pessoas com problemas de saúde mental tenham receio de revelar suas doenças. Preocupadas sobre como uma possível licença médica ou afastamento para tratamento psiquiátrico pode afetar sua imagem no trabalho, esses profissionais muitas vezes continuam a trabalhar mesmo doentes, o que pode agravar suas condições.

 

Como apoiar profissionais com dependência química?

 

A empresa tem um papel fundamental no contexto dos transtornos mentais que cada vez mais afetam profissionais de diferentes áreas.

 

Oferecer apoio e uma cultura acolhedora permite que pessoas com doenças psiquiátricas, como a dependência química, possam buscar ajuda e tratamento sem medo de serem julgadas ou penalizadas por isso. Além disso, um ambiente mais psicologicamente seguro também evita que muitos profissionais busquem refúgio em substâncias químicas para lidar com o estresse.


Também é fundamental que a organização não evite confrontar o problema, já que isso pode prejudicar ainda mais a condição do dependente.

 

Nessa linha, uma análise da University of Southern California (USC) reforça a importância de evitar ações ‘habilitadoras’ da dependência. Ou seja, é preciso evitar atitudes que permitam que alguém escape das consequências naturais e lógicas de seu comportamento abusivo ou que evitem assumir responsabilidade ou ser responsabilizados por tais ações.

 

No ambiente de trabalho, isso pode se manifestar de várias maneiras:

 

  • Mudar o empregado de departamento ou somente mandá-lo para casa, em vez de abordar o problema.

  • Diminuir as responsabilidades do empregado ou os padrões esperados de desempenho.

  • Encobrir ou desculpar o desempenho deficiente do empregado relacionado ao abuso de substâncias.

  • Tentar ajudar o empregado agindo como um ‘amigo’ em vez de como um gerente, incluindo argumentar, criticar ou demandar de maneira não produtiva.

 

Ou seja, é preciso evitar julgamento excessivo, contudo, “fechar os olhos” para a situação e evitar confrontar o problema também não é o melhor caminho.

 

Quando se trata de lidar com dependência química no ambiente de trabalho, é importante desenvolver uma abordagem holística – e não apenas ações isoladas que não levam em conta a complexidade dessa condição.

 

Criar uma cultura focada na prevenção e com ferramentas de apoio e acolhimento é fundamental para, além de evitar e/ou diminuir o surgimento de transtornos mentais decorrentes do trabalho, também ajudar na recuperação dos profissionais que sofrem com esse transtorno.


Nos próximos artigos dessa série, falaremos sobre como fazer isso, na prática. Acompanhe a GoHuman no LinkedIn e no Instagram para não perder.

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