Entenda como os conselhos de administração podem ajudar a tornar a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores uma prioridade nas organizações
Orientar as tomadas de decisões do negócio, garantindo o direcionamento estratégico e defendendo os interesses da organização como um todo. Resumidamente, é possível definir assim o papel dos conselhos de administração. Ou seja, de forma prática, os conselhos norteiam as ações das empresas – e, consequentemente, influenciam sua cultura.
Portanto, no contexto atual – em que o mercado está cada vez mais direcionando negócios a terem um posicionamento responsável em relação a seus impactos na sociedade e no planeta –, o cuidado com a saúde mental precisa estar presente nas discussões dos conselhos.
“Além da performance, do caixa e das estratégias de negócio, é importante que os membros do colegiado acompanhem os dados de saúde mental nas empresas em que atuam e investiguem se elas não alimentam ambientes tóxicos.
Os conselheiros precisam entender o quanto elas institucionalmente são permissivas com agressões verbais, assédio moral e sexual, cobranças exageradas, prazos inatingíveis, competitividade exagerada. Organizações com vários casos de burnout precisam ligar o alerta máximo. A cultura tóxica é tema de compliance, de riscos e de pessoas”, destaca Vicky Bloch, Coach de CEOs, atua em processos de sucessão familiar e formação de lideranças, em um artigo publicado no jornal Valor Econômico.
Antes de nos aprofundarmos nesse debate, porém, precisamos entender o cenário que a torna urgente.
Saúde mental: fator de risco atualmente ignorado pelos conselhos
O relatório Riscos Globais para 2023, desenvolvido pelo Fórum Econômico Mundial, aponta que a severa deterioração da saúde mental é uma das principais ameaças globais – tanto no curto quanto no longo prazo.
O estudo indica que a disseminação em larga escala de distúrbios de saúde mental ou a desigualdade crescente em vários grupos demográficos prejudicam o bem-estar, a coesão social e a produtividade e, portanto, são fatores de risco para a economia mundial.
Porém, apesar dos indícios sobre a importância de a saúde mental estar entre as prioridades dos conselhos de administração para os próximos anos, na prática ainda não é isso que se observa:
Apenas 7% dos conselheiros que participaram de uma pesquisa feita pela Harvard Law School citaram “garantir um ambiente seguro para os colaboradores” como uma preocupação para o próximo ano.
Por outro lado, uma das principais preocupações dos conselhos de administração – que inclusive aparece nos primeiros lugares nestas e em outras pesquisas relacionadas – foi a atração e a retenção de talentos.
Ou seja, os conselhos estão preocupados em atrair e reter os melhores talentos, mas, ao mesmo tempo, estão deixando de lado uma questão que está entre as principais demandas dos profissionais atualmente e que tem o potencial de afetar a economia como um todo: o bem-estar e a saúde mental dos colaboradores.
Pessoas: o ponto cego nas organizações
É nesse sentido que Pedro Paro, fundador e CEO da Humanizadas e pesquisador na área de Capitalismo de Stakeholder, destaca o chamado “ponto cego da liderança”: as pessoas.
Ele explica que, de maneira geral, as empresas estão sempre buscando os melhores resultados – sejam eles relacionados ao capital econômico, social, reputacional ou ambiental (por exemplo: lucro, faturamento, satisfação com os clientes, emissão de gases de efeito estufa etc.).
Nessa busca, algumas organizações passam a olhar para seus processos procurando adotar as práticas de gestão que podem influenciar o resultado e preocupam-se em analisar suas práticas de gestão e medir os seus impactos, o que é algo positivo.
No entanto, na visão do CEO da Humanizadas, ainda falta um olhar especial para as pessoas. Esse ponto cego é bastante relevante porque, como ele explica, está diretamente relacionado aos processos e aos resultados.
“São raros os casos de empresas que, além de olhar e gerenciar o resultado ou impacto e as práticas e processos, estão olhando e gerenciando a qualidade do relacionamento com as pessoas. E aí, quando eu falo de pessoas, eu estou falando da qualidade da liderança, da qualidade da cultura. Quem sustenta os processos e as práticas, quem gera os resultados, são as pessoas”, indica Pedro.
Como a saúde mental dos colaboradores impacta os resultados
A saúde mental nas organizações e os conselhos de administração
Sonia Consiglio, conselheira e especialista em Sustentabilidade que participa de conselhos em que essa questão vem sendo debatida, destaca que, de maneira geral, temas relacionados à gestão de pessoas ganharam mais espaço com a crise gerada pela Covid-19. Consequentemente, a saúde mental dos profissionais também entrou em debate.
“Hoje, os conselhos e as gestões executivas debatem o tema, criam ações, há estruturas sendo montadas, áreas dedicadas a trabalhar a saúde mental do funcionário. Isso veio em função de tudo que vivemos pela pandemia e pelo entendimento do quanto as questões humanas são fundamentais”, comenta.
Ela frisa que, antes, a saúde mental até era debatida em alguns conselhos, mas sempre com muita cautela, já que ainda existe muito preconceito em torno desse tema. “A pandemia trouxe o entendimento de como somos frágeis, vulneráveis a questões de saúde e a questões sociais. Além disso, mostrou o quanto o bem-estar dos funcionários é crucial para a empresa, por mais óbvio que isso possa parecer”, reflete.
Para Cátia Tokoro, conselheira e especialista em Sustentabilidade, Governança e Transformação Digital, ainda há um bom caminho pela frente para que esse tema seja realmente prioridade para os conselhos e para a alta administração – inclusive por conta do tabu citado por Sonia.
“Já se percebe que é um tema importante, mas ainda há muito desconhecimento sobre o tema; por isso, existe uma dificuldade grande de lidar com isso. Porém, os números evidenciam que esse é um tema que precisa estar na pauta tanto dos conselhos, como dos executivos”, indica Cátia.
O papel dos conselhos de administração para o avanço da pauta de saúde mental nas empresas
Mas a questão é: como os conselhos podem garantir que a saúde mental dos profissionais seja uma prioridade nas empresas? Qual é o papel dos conselheiros nesse sentido?
Na visão de Cátia, é importante que o conselho trabalhe três pilares fundamentais para que esse tema ganhe mais relevância nas organizações:
“Em primeiro lugar, é preciso fazer um trabalho forte de combate ao estigma e ao preconceito. Saúde mental é um tema que ainda é um pouco tabu. Nesse sentido, o segundo ponto a ser trabalhado é a educação: como é possível disseminar esse tema, como identificar questões relacionadas, como tornar a discussão sobre esse assunto mais natural? E o terceiro pilar é de fato o acesso. Ou seja, promover e facilitar o acesso a atendimento psicológico e psiquiátrico e a uma rede de acolhimento”, indica.
Cátia destaca ainda que incluir a saúde mental entre as prioridades da empresa é um papel dos conselhos, mas também da alta administração, dos executivos das companhias.
Nesse sentido, ela explica que a função central dos conselheiros é questionar. É por isso que os membros do conselho precisam se educar em relação a esse tema.
“O conselho tem que se letrar no tema, até para conseguir contribuir e saber como servir melhor a organização nesse sentido. Depois do letramento, é preciso entender os dados da companhia em temas relacionados à saúde mental. Tendo letramento e tendo os dados, os conselhos podem realmente provocar para que haja ações para melhorar e mitigar problemas nessa área. Isso faz parte da cultura, que também está entre as atribuições do conselho”, reforça.
Sonia complementa lembrando que tudo o que o conselho assume como um tema importante, passa a ser acompanhado de forma mais intensa pelo colegiado – ou seja, passa a mensagem de que é uma prioridade relevante.
“Então, o papel dos conselhos é abrir uma pauta permanente, acompanhar os indicadores, fazer boas perguntas. Os conselheiros devem provocar os executivos para trazer as melhores práticas, para questionar se, de fato, estão fazendo tudo que podem, fazer benchmarking, enfim… O conselho sem dúvida deve ser o guardião deste tema na empresa”, salienta.
Os conselhos e a cultura da organização
Como os especialistas entrevistados já citaram, o conselho tem influência na forma como a empresa trata da saúde mental dos funcionários, principalmente pela cultura que é aceita e permeada na organização.
Se o conselho não questiona processos e atitudes da liderança que criam ambientes tóxicos, altamente prejudiciais à saúde mental e emocional dos profissionais, também tem responsabilidade sobre os índices elevados de burnout, estresse, ansiedade e turnover gerados por esse ambiente ruim.
Para Alessandra Cavalcante, fundadora da GoHuman e especialista em Gestão de Pessoas e Desenvolvimento, é papel do conselho observar essas questões para verificar se a cultura e os processos estão criando ambientes tóxicos. Para isso, ela destaca a importância da diversidade nos conselhos.
“Até pouco tempo atrás, o comitê de pessoas nos conselhos – que é uma área nova por si só – tratava principalmente de remuneração e sucessão. Agora, percebemos que temas como cultura tóxica, saúde mental e segurança psicológica vêm ganhando mais espaço. A questão é: se os conselhos não tiverem uma orientação ou um mínimo de representatividade, eles não vão saber fazer as perguntas certas para os executivos”, provoca.
Rachel Goldgrob, fundadora da GoHuman e especialista em Gestão de Pessoas e Desenvolvimento, reforça o peso que os conselhos têm na geração da cultura organizacional.
“No fim, é uma questão de cultura mesmo. Claro que processos e políticas são importantes e contribuem muito nesse sentido, mas isso tudo só reforça a cultura. Então, se estamos falando de uma mudança de mentalidade e de uma visão e de valores que vão reforçar isso, o conselho é fundamental para impulsionar essa transformação, por meio de questionamentos e cobranças relacionadas à saúde mental na organização”, frisa.
Pedro Paro complementa indicando que nenhum processo pode ser implementado sem uma cultura que o apoie.
“Se uma empresa cria, por exemplo, uma área de meditação ou um espaço de descanso para os colaboradores, mas não tem uma cultura que permita que as pessoas possam praticar a meditação e ter momentos de descanso no trabalho, isso não vai trazer resultado nenhum. Se eu não tiver uma liderança que promova uma cultura que sustenta essas práticas, os meus resultados vão ser os mesmos, não haverá mudança”, conclui.
A GoHuman promove discussões como esta em times executivos e conselhos. Gostaria de conhecer o nosso trabalho? Entre em contato e saiba como podemos ajudar.
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