Especialistas debatem como a segurança psicológica pode impactar a performance de um time e falam sobre caminhos para promover ambientes de trabalho mais saudáveis e inclusivos
O que acontece em seu time quando alguém comete um erro? Aqui, não estamos falando em termos de resultados financeiros. Queremos que você reflita sobre o comportamento das pessoas.
Elas tentam esconder o deslize?
Demoram para admitir o equívoco ou evitam assumir a responsabilidade?
Os profissionais começam a acusar uns aos outros?
Acredite, a maneira como sua equipe reage aos erros pode dizer muito sobre a efetividade da sua liderança e sobre a cultura da empresa.
O medo de admitir um erro vem da percepção de que a suposta falha pode levar a julgamento e punição. E se as pessoas têm medo de falhar, também terão receio de tentar algo novo e tampouco se sentirão confortáveis para dar suas opiniões e visões.
Isso é algo relevante para as empresas porque, além de serem inevitáveis, os erros são parte essencial do processo de aprendizado e, mais importante, de inovação – assim como a troca de ideias e opiniões.
Esse medo que trava o time – e que prejudica seu potencial e performance – é um sintoma comum em ambientes com baixa segurança psicológica.
“A importância da segurança psicológica na construção de ambientes saudáveis” foi o tema do painel moderado por Alessandra Cavalcante no RHRio 2024, organizado pela ABRH-RJ.
A cofundadora da GoHuman mergulhou nesse assunto com Adriana Alves (diretora de pessoas, governança e integridade do Pacto Global da ONU – Rede Brasil e cofundadora da Lupa) e Simone Bianche (fundadora da SSB Consultoria e especialista em Estratégia da Diversidade e Cultura Inclusiva).
Antes de nos aprofundarmos no que as três debateram no palco do maior evento de Gestão de Pessoas do Rio de Janeiro, porém, precisamos relembrar as bases do conceito de segurança psicológica. Além disso, trazemos para a conversa Rachel Goldgrob, cofundadora da GoHuman.
O que é segurança psicológica?
O termo segurança psicológica foi utilizado pela primeira vez na década de 1960, quando Edgar H. Schein e Warren G. Bennis definiram no livro Personal and Organizational Change Through Group Methods: The Laboratory Approach que a segurança psicológica é como um clima “que encoraja tentativas provisórias e que tolera o fracasso sem retaliação, renúncia ou culpa”.
Porém, foi nos anos 1990 que o termo ganhou popularidade. E uma das responsáveis por isso foi Amy C. Edmondson, professora de Gestão e Liderança na Harvard Business School. Segundo ela:
“Segurança psicológica é a crença compartilhada entre os membros de uma equipe de que é seguro correr riscos interpessoais dentro do grupo. Em outras palavras, é a confiança de que não serão punidos e humilhados por admitir erros, fazer perguntas ou apresentar novas ideias.”
Alessandra Cavalcante explica que um nível elevado de segurança psicológica proporciona à cultura corporativa elementos como: transparência, colaboração, diversidade e inclusão, sensação de pertencimento, curiosidade e espaço para inovação.
“Quando falamos em segurança psicológica, estamos falando da dinâmica das relações e de como essa dinâmica viabiliza a criação de espaços de diálogo e de autenticidade dentro das organizações. Esse, aliás, é o elemento essencial de culturas de inovação e de alta performance”, aponta a cofundadora da GoHuman.
A especialista detalha que, em um ambiente com segurança psicológica, a vulnerabilidade é recompensada, em vez de punida. “Não estamos falando de espaços de exposição desnecessária de vulnerabilidade, mas é onde podemos falar sobre vulnerabilidade sem pré-julgamento”, frisa.
Rachel Goldgrob, cofundadora da GoHuman, concorda e reitera:
“No final das contas, é simples: oferecer segurança psicológica é permitir que as pessoas sejam elas mesmas, possam falar o que pensam, criticar e ouvir críticas sem medo de punição, sem medo de serem ridicularizadas”.
Segurança psicológica e inclusão
Para Simone Bianche, a segurança psicológica está diretamente relacionada à inclusão.
“Se eu posso ser quem eu sou, trazer o meu máximo potencial, minhas fortalezas e também minhas vulnerabilidades, significa que eu tenho um ambiente inclusivo, um ambiente de trabalho no qual realmente posso pertencer, sou valorizada e apreciada”, aponta.
Isso, por sua vez, gera resultados diretos em termos de inovação e engajamento, como explica Adriana Alves.
“Se a pessoa não se sentir segura e incluída, ela não vai conseguir atingir o seu maior potencial dentro desse lugar. A criatividade não vai estar totalmente potencializada. E, se não tem criatividade, não tem performance nem inovação. Então, a segurança psicológica é fundamental para garantir que a empresa continue relevante, para assegurar sua sustentabilidade no longo prazo”, destaca.
No entanto, Simone reforça que a realidade atual na maioria das empresas vai na contramão da segurança psicológica, já que muitos grupos têm medo de serem autênticos e se sentem excluídos.
“As mulheres muitas vezes precisam se masculinizar para pertencer. As pessoas com deficiência precisam esconder suas deficiências para fazer parte do mundo corporativo ou as pessoas negras precisam de alguma forma tentar também dissimular suas características para ser parte. Então, isso não é uma cultura de inclusão e pertencimento”, explica.
O papel da liderança na construção de ambientes psicologicamente seguros
As especialistas que contribuíram para esse artigo são unânimes: os líderes são fundamentais para a promoção de ambientes psicologicamente seguros.
Rachel destaca que o nível de segurança psicológica de um time é diretamente influenciado pelas interações do líder com os profissionais; está relacionado a como esse líder faz cada profissional se sentir seguro e confortável para se posicionar e se expor.
“Não adianta dizer aos colaboradores que podem se sentir seguros para questionar, inovar e errar, se o líder não demonstrar, na prática, que incentiva isso, que apoia as vulnerabilidades do time. O gestor precisa preparar um plano e começar a mudar o seu próprio comportamento. Antes de fazer qualquer demanda à equipe, ele deve ser o exemplo”, frisa.
Alessandra complementa dizendo que o líder deve analisar sinais que indicam se os profissionais se sentem à vontade para questionar e errar, fazendo-se perguntas como, por exemplo:
Minha conduta está reforçando o medo no time?
Por meio das minhas atitudes, permito rótulos e estereótipos que fazem as pessoas recuarem?
Estou dando a devida atenção às sugestões da equipe?
“São pequenos sinais que o líder vai emitindo e que vão bloqueando as pessoas. Quando alguém fala alguma coisa e o gestor responde de forma desdenhosa ou sarcástica, ele sinaliza, por exemplo, que não tem interesse em outros pontos de vista”, comenta Alessandra.
Gestão humanizada e a segurança psicológica
Simone levanta a importância de o RH e as lideranças enxergarem os colaboradores não apenas como números, mas como indivíduos – o que ela chama de headcount x heartcount.
“Quando estamos lidando com pessoas não estamos falando de números, estamos falando de corações. É por isso que eu sempre faço esse trocadilho. Uma liderança mais humanizada e um RH que foca na inclusão, no pertencimento e na valorização dos talentos também precisa trabalhar a segurança psicológica das pessoas”, reflete.
Ela explica que promover uma gestão humanizada envolve tratar os colaboradores de forma individualizada, praticar a escuta ativa, criar espaços de diálogo e respeito mútuo, implementar políticas e práticas que reconheçam a individualidade de cada pessoa na organização e fomentar uma cultura inclusiva no ambiente de trabalho.
“É essencial também oferecer canais seguros para acolhimento e denúncias quando alguém se sentir discriminado, desrespeitado ou alvo de preconceito”, aponta.
Nessa linha, Adriana reforça a importância de pensar além dos resultados de curto prazo.
“Quando o líder não dedica tempo para desenvolver e observar as pessoas de forma individualizada, isso gera falta de segurança psicológica, falta de pertencimento, constrói um ambiente em que as pessoas não conseguem dizer o que pensam. Uma cultura focada em resultados a curto prazo não permite que sejamos autênticos”, destaca.
Leia também: O caminho da liderança humanizada
Dicas para promover mais segurança psicológica
Invista na formação das lideranças
Na visão de Simone, o primeiro passo para promover mais segurança psicológica é investir na capacitação das lideranças, para que o comportamento dos gestores ajude a formar uma cultura mais psicologicamente segura em toda a organização.
“É preciso formar uma liderança inclusiva e empática, que promova o respeito às pessoas e atue para a geração de ambientes de trabalho seguros, equitativos, livres de preconceitos, violências e discriminação. Isso deve ser feito por meio do letramento e da conscientização dos gestores”, aponta.
Atue de maneira preventiva
Adriana comenta que é comum tratar problemas mentais que surgem pela falta de segurança psicológica de forma paliativa, oferecendo tratamentos, por exemplo. No entanto, ela alerta que é crucial atuar de maneira preventiva.
“Prevenção é a chave. Estamos muito acostumados a prestar atenção em problemas relacionados à falta de inclusão e respeito quando o ponteiro está vermelho. Mas precisamos trabalhar a segurança psicológica quando o ponteiro ainda está no verde”, recomenda.
Estabeleça acordos e permissões
Alessandra explica que todas as ações para promover a segurança psicológica no ambiente de trabalho precisam se basear em dois parâmetros essenciais: respeito e confiança.
“É papel do líder calibrar isso o tempo todo: qual é o nível de respeito que vai ser estabelecido nesse time? Quais são as permissões e acordos estabelecidos para garantir uma boa performance com liberdade e confiança?”, indica.
Essa, aliás, é uma questão importante, já que segurança psicológica não significa ausência de regras, mas a criação de um novo código de conduta.
Identifique pontos críticos na cultura
Rachel explica que é fundamental analisar a cultura da empresa na prática, principalmente os processos potencialmente problemáticos que podem gerar ambientes tóxicos e inseguros.
“É preciso avaliar uma série de aspectos – desde como as pessoas se relacionam, como é a cultura da organização de uma forma geral, até práticas e processos que podem estar condicionando o estresse mental”, conclui.
Saiba mais: Guia sobre Segurança Psicológica nas empresas
A GoHuman promove discussões como esta em times executivos e conselhos. Gostaria de conhecer o nosso trabalho? Entre em contato e saiba como podemos ajudar.
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